29/06/2010

Quando me pediram para escrever sobre como é ser mãe de uma “criança celíaca”, enfrentei a folha de papel branco sem saber o que escrever porque raramente penso no meu filho de dois anos e meio nesses termos. As preocupações diárias estão sempre presentes, mas sempre bem geridas.


Para mim e para o Pai, o diagnóstico foi a luz ao fundo do túnel. Apesar de terem passado “apenas” quatro meses entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a detecção da doença celíaca, foi um período de angústia e luta com a sua pediatra que via no Lucas nada mais do que um menino muito dado a viroses (infelizmente, a comunidade médica não conhece bem esta doença).


Por pressão nossa, os exames foram feitos e a sentença dada. Cansados das incertezas e do sofrimento dos filhos, alívio é, por certo, o sentimento que todos os pais sentem quando são confrontados com este diagnóstico.


Quando a médica especialista me ligou com o resultado da biópsia teve o cuidado de me dizer que eram boas notícias e tinha razão. Aparentemente, o Lucas deixava de comer pão, bolos e massas e a sua saúde iria regressar, sem mais medicamentos ou exames.


O dia-a-dia do pós-diagnóstico revelou-se um pouco mais complicado do que esperado quando comecei a pesquisar e vi todos os alimentos que lhe estariam vetados. Para além disso, existia o perigo da contaminação cruzada. Até a aparentemente inócua plasticina poderia ser um perigo nas pequenas mãos do meu menino.

Os primeiros produtos sem glúten que comprámos revelaram-se caros e hipercalóricos, a massa uma decepção, o pão intragável. Aí o coração de mãe começou a bater mais depressa: o que é que ele vai comer? Como será na creche? E nos restaurantes? E as festas de aniversário dos amiguinhos? Eventualmente aprendemos a contornar estas pedras no caminho sem glúten.

O pessoal da creche ficou tão contente de o ver recuperar que fizeram tudo como lhes expliquei de modo a garantir uma alimentação segura para o Lucas. Os restaurantes evitam-se e quando não se consegue, uma conversa simpática com o empregado resolve a situação. Para as festinhas, leva-se um “farnel sem glúten” e o Lucas, na sua inocência, nem se apercebe da diferença.


Mais tarde saberá e espero que aprenda a viver com isso, mas nestes sete meses que passaram desde o diagnóstico, a dieta sem glúten deixou de ser o bicho-papão que parecia e tornou-se quase numa segunda natureza. Neste preciso momento, o único desafio é encontrar uma receita de pão que lhe agrade, estando a máquina do pão lá de casa a trabalhar em laboração contínua, fornada atrás de fornada, misturando quinoa, fécula de batata, farinha maizena e goma xantana, à procura do Santo Graal dos celíacos, um pão que não saiba a cartão.

Apesar de viver diariamente com as exigências de uma dieta sem glúten, vejo o meu filho apenas como uma criança saudável que gosta de brincar e rir como as outras, e que só difere na alimentação que faz. Quando for ele a lidar conscientemente com a sua doença, terá talvez os seus momentos de frustração, os momentos em que pensará que é diferente dos outros, os momentos em que deixará de cumprir a dieta porque não se lembra do mal que passou. É essa a minha maior preocupação: o surgimento da doença tão precocemente não lhe dará as lembranças necessárias para querer evitar o glúten a todo o custo. Para ele, a única prova palpável da sua doença será o relatório da biópsia a que foi submetido. Assim, o principal desafio que nós, pais, temos é mentalizá-lo de que as bolachinhas do Afonso ou o pão-de-leite da Lara “fazem dói-dói à barriguinha do Lucas” enquanto lhe damos alternativas igualmente saborosas e que o ajudarão a crescer muito e bem.

28/06/2010

Celiaco Rock

"Celiaco Rock" é o nome da canção de Alessandro Palazzo, celíaco e músico italiano, que um dia decidiu utilizar a música como forma de dar a conhecer a DC ao mundo...
Letra:
"Sentir che son viziato,
perchè non ho mangiato
ormai ci son abituato
lei mi fa compagnia
si chiama celiachia
cheparola grossa..... mamma mia!
.
Sul tuo viso splende il buio
e smetti di parlare
non è niente di contagioso
non ti devi preoccupare
e rimani ferma immobile
assorta ad aspettare
che avvenga qualcosa,
che so una trasformazione,
che diventi un animaleanche da curare......
ma almeno lasciati spiegare
.
sono affetto da un'intolleranza alimentare
ma ho già su i guantoni pronto per lottare
(contro) orzo frumento, segale e avena
io non li sopporto più.
.
Maaa.... ma quanti amici che hooooose
il tuo amore non ho,
io canto CELIACO ROCK.
.
E adesso che lo sai
non ti sorprenderai,se ho un associazionee
una scquadra di pallone,
allora cosa apetti stammi più vicino
in questa giornata del ciclamino,
e poi saprai già di questa grande novitàdi
una pastiglia che una mano ci darà
sarà da masticare magari da ingoiare
però adesso lasciati andare
.
sono affetto da un'intolleranza alimentare
ma ho già su i guantoni pronto per lottare
(contro) orzo frumento, segale e avenaio
non li sopporto più.
.
Maaa.... ma quanti amici che hooooose
il tuo amore non ho,
io canto CELIACO.
.
Maaa.... ma quanti amici che hooooose
il tuo amore non ho,
io canto CELIACO ROCK...
.
Perchè questa canzone non sarà una soluzione
ma avrà la sua importanza
sconfigge l'ignoranza, in fondo il glutine
non è che una sostanza
basta conoscerla ed è già abbastanza.
.
Maaa.... ma quanti amici che hooooose
il tuo amore non ho,
io canto CELIACO ROCK.
Io canto CELIACO ROCK.
Io canto CELIACO ROCK."
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Tradução de parte do refrão:
"Sofro de uma intolerância alimentar
Mas calcei as luvas e estou pronto para lutar
De trigo, aveia, centeio e cevada
Eu não tolero mais nada."
Alguém ajuda a traduzir a restante letra? =)

18/06/2010

APC na Feira Área Viva (Continente)


A APC esteve presente em alguns dias da Feira da Área Viva, a convite do Continente. Esta é uma oportunidade que a APC aproveita, sempre que pode, para marcar presença e estar perto dos sócios e de todos os interessados na DC.

A APC esteve então, por sete ocasiões, em diferentes Continentes da zona da Grande Lisboa e Grande Porto em acções de rastreio e/ ou sensibilização. A afluência a estas acções variou mas não foi muito elevada. O público que beneficiou destas foi diversificado, entre celíacos, familiares e amigos, pessoas com suspeita de DC e público geral com curiosidade acerca da situação e da DC.

Embora esta tenha sido uma boa oportunidade de divulgação da DC e contacto com um público diversificado, houve alguns “contratempos” entre os colaboradores da APC e a segurança do Continente dada a falta de informação que estes tinham acerca da nossa presença e as funções que se iriam desempenhar. Dadas estas complicações e na tentativa da sua resolução, algumas acções iniciaram com ligeiro atraso, sendo que uma delas foi mesmo impossível de ocorrer. Lamentamos este facto mas salientamos o empenho e profissionalismo, na maioria dos casos, dos funcionários do Continente para a resolução da questão.

De salientar ainda foi a possibilidade de contacto entre si das pessoas que usufruíram destas acções, havendo partilha de histórias e de experiências. Algumas das histórias e experiências levantam a questão da falta de informação ou actualização médica acerca da DC que muitas vezes prolonga o mal-estar da pessoa, prejudicando a sua qualidade de vida. Assim, continuamos a apelar para a partilha destas experiências de forma a ser possível identificar aspectos e situações importantes de intervenção da APC para que se possa melhorar a assistência aos celíacos diagnosticados e tentar diminuir os celíacos sub-diagnosticados que comprometem a sua saúde e bem-estar a curto e longo prazo sem o saberem.

11/06/2010

Entrevista do Continente à Presidente da APC

No âmbito da parceria entre o Continente e a APC, e no decorrer da Feira da Área Viva, foi efectuada a seguinte entrevista, disponível online.
Entrevista com Dr.ª Raquel Madureira – Presidente da Associação Portuguesa de Celíacos


A Doença Celíaca é uma doença auto-imune com múltiplas manifestações e correlaciona-se com outras patologias, tais como a desnutrição, anemia, depressão, osteoporose, cancro, etc. O seu diagnóstico precoce é extremamente importante para prevenir o desenvolvimento das mesmas.

1. Como está diagnosticada a doença celíaca em Portugal?
Resposta: Não há dados exactos sobre a Doença Celíaca em Portugal, uma vez que o seu diagnóstico está muitíssimo subavaliado no nosso país. Há a falsa ideia de que os valores não vão para além dos 8 mil celíacos, em vez de 100.000, número extrapolado muito provável, face às comparações com índices de outros países, e reforçado pela ausência, até ao momento, de estudo epidemiológico nacional.

2. Considera que os profissionais de saúde estão sensíveis para esta patologia?
Resposta: Não. Infelizmente, não! Os profissionais de saúde continuam a pensar que esta é uma doença de crianças e esquecem-se da variedade de sintomas que podem ocorrer já na fase de adulto. Para além disso, eles não se actualizam nas novas ferramentas de diagnóstico e, portanto, não recorrem aos meios mais específicos e sensíveis, já disponíveis. Os poucos que conseguem acertar no diagnóstico, frequentemente, não acompanham o doente da forma mais conveniente e, muitas vezes, cometem erros grosseiros na definição da doença. É recorrente o doente recém-diagnosticado ser mandado para casa e, por via disso, fica sem garantias que vai ser bem acompanhado por uma dietista ou nutricionista.

3. Em termos gerais, considera que os celíacos cumprem rigorosamente a dieta sem glúten?
Resposta: Existe uma pequena percentagem de doentes que não cumpre a dieta por mera opção pessoal, mas existe uma outra, em maior número, que não o faz por desconhecer as consequências desse incumprimento. Há ainda pessoas – e isso é mais pungente - que não cumprem a dieta por razões puramente de carência económica, e outras há que, por não terem quaisquer sintomas, julgam que não estão a agredir o organismo. Penso que estas elevadas percentagens resultam da ausência de desenvolvimento duma proveitosa relação médico-doente, pois acredito que os celíacos, se souberem que o incumprimento das regras certas os leva a ter um risco muito elevado de desenvolvimento de Doença Refractária e risco aumentado de neoplasias, para além de perda de qualidade de vida, não assumiriam essa postura de forma deliberada. Para além destas pessoas, existem ainda os que se esforçam por cumprir a dieta, mas não o conseguem pelo facto da nossa sociedade não estar ainda ciente e sensibilizada para esta situação e, portanto, ser muito difícil eles comprarem alimentos seguros e comerem fora de casa. Está já provado que a dificuldade suprema é precisamente nos locais de trabalho e nas escolas.

4. A nova legislação relativa à composição e rotulagem dos produtos sem glúten trouxe, com certeza, uma maior segurança aos celíacos. Considera que ainda há muito mais que se pode fazer?
Resposta: Esta nova rotulagem, a ser cumprida, revela que estamos no bom caminho, mas ela não acabará com os problemas, pois os alimentos não específicos continuam a ser um grave handicap, para além do preço muito elevado dos produtos especificamente sem glúten. Óbvio que o caminho a percorrer ainda é longo, pois o ideal era que todas as empresas introduzissem, junto com as análises ordinárias de um produto, uma outra, específica, ao teor de glúten contido. Esse procedimento não ficará dispendioso e não irá encarecer significativamente o produto final. Julgo que isso não está ainda em marcha simplesmente porque as empresas não estão sensibilizadas para este problema e, claro, por não ser ainda obrigatório em termos de legislação.

5. Gostaria de deixar uma mensagem à população em geral? E aos celíacos?
Resposta: Gostaria que a população em geral estivesse mais atenta e responsável pela sua saúde, alertando os médicos se não se sentirem saudáveis, pois muitas vezes os sintomas são muito diversos, podendo apenas ser tão leves como simples ligeiras alterações de humor ou, então, serem tão graves como problemas de infertilidade e abortos recorrentes. Apelo aos celíacos que se esforcem por cumprir uma dieta sem glúten pois o incumprimento pode, apesar de ausência de sintomas, ter consequências muito graves, como, por exemplo, o desenvolvimento de linfoma. Caso, após o diagnóstico, não se sintam suficientemente esclarecidos, procurem a Associação, porque o apoio e informação é fulcral para que possam voltar a sentir-se saudáveis.Gostaria também de acrescentar que, na hipótese de dificuldades económicas para a compra de produtos específicos sem glúten, procurem comer produtos alternativos mais saudáveis, tais como leguminosas, frutas e legumes, deixando os mais dispendiosos para dias de festa. Sei que, muitas vezes, não é uma doença fácil de enfrentar no quotidiano, mas tem que ser assumido que é essa a condição instalada para a qual não se tem alternativa. A vida sem glúten é possível e é necessária para que possam ser saudáveis e terem uma boa qualidade de vida.

07/06/2010

A Doença Celíaca e a Diabetes Mellitus Tipo 1


A prevalência de DC entre os portadores de Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é cerca de dez vezes superior à da população em geral e, sabendo-se que ambas são doenças do tipo auto-imune, importa perceber a razão desta estreita relação.

Temos hoje como certo que a DC ocorre em indivíduos geneticamente predispostos , sendo esta predisposição relacionada com o sistema HLA (Human Leukocyte Antigens). Assim, a maior prevalência de doenças auto-imunes nos celíacos é atribuída a factores genéticos comuns, nomeadamente os antigénios do referido sistema. Por tudo isto parece certo que o desenvolvimento de doenças auto-imunes secundárias à DC é mais frequente quando a DC não está controlada.

Dois investigadores (Pocecco & Ventura) levantaram em 1995 a possibilidade de que a lesão da mucosa intestinal na DC activa permitiria a absorção de antigénios “anormais” que induziriam uma resposta imune com produção de auto anticorpos contra células pancreáticas em indivíduos já geneticamente predispostos a DM1. Em 2002, contudo, esta teoria foi refutada por um grupo de investigadores que, através da realização de um estudo, detectou um grande número de casos em que a DC se instalou após a instalação prévia da diabetes. Com este estudo perceberam também que 5.5% dos diabéticos tipo 1, no momento do diagnóstico, apresentaram serologia positiva para a DC e que 4.4% apresentaram serologias positivas nos primeiros quatro anos após a instalação da DM1.

Um outro aspecto relevante é que, atendendo aos dados provenientes da investigação, é possível concluir que a maior parte dos diabéticos tipo 1, mesmo com serologias positivas para a DC, apresentam poucos sintomas do tipo gastrointestinal apesar de se encontrar o típico padrão das vilosidades intestinais “achatadas” aquando da realização da biopsia intestinal. Parece ainda ser esta a principal causa do incumprimento da dieta SG por parte de muitos diabéticos pois, uma vez que não apresentam sintomatologia, é difícil conceber a importância da dupla-dieta (isenta de glúten e de açúcares).

Mohn e Cols observaram ainda que nas crianças e jovens com DM1 e DC o risco de hipoglicémia é mais frequente nos seis meses antes e nos seis meses após o diagnóstico da DC do que nas crianças / jovens que são “apenas” portadores de DM1. Após seis meses de dieta rigorosa sem glúten o risco de hipoglicémia grave é semelhante nos dois grupos.

Apesar do número de estudos que relaciona as duas patologias (DC e DM1) existe ainda muito por explicar, contudo, é certo que deverá recair uma atenção especial sobre os diagnosticados com DM1 sendo que, muitos médicos, optam por rastrear a DC aquando do diagnóstico desta forma de diabetes. Caso os marcadores (especialmente o marcador mais sensível actualmente, a anti-transglutaminase) sejam positivos deve avançar-se para a biopsia intestinal. Se existir uma biopsia positiva a dieta sem glúten deve ser iniciada e, caso seja inconclusiva, muitos médicos defendem que deverá ser repetida anualmente até se poder realizar com segurança a confirmação do diagnóstico ou a exclusão do mesmo.

Caso seja celíaco e, concomitante apresente DM1, gostaríamos de o convidar a partilhar a sua história connosco e, para isso, pedimos que nos contacte através do email que fornecemos na barra lateral do nosso blogue.

Carmen Garcia