Quando me pediram para escrever sobre como é ser mãe de uma “criança celíaca”, enfrentei a folha de papel branco sem saber o que escrever porque raramente penso no meu filho de dois anos e meio nesses termos. As preocupações diárias estão sempre presentes, mas sempre bem geridas.
Para mim e para o Pai, o diagnóstico foi a luz ao fundo do túnel. Apesar de terem passado “apenas” quatro meses entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a detecção da doença celíaca, foi um período de angústia e luta com a sua pediatra que via no Lucas nada mais do que um menino muito dado a viroses (infelizmente, a comunidade médica não conhece bem esta doença).
Por pressão nossa, os exames foram feitos e a sentença dada. Cansados das incertezas e do sofrimento dos filhos, alívio é, por certo, o sentimento que todos os pais sentem quando são confrontados com este diagnóstico.
Quando a médica especialista me ligou com o resultado da biópsia teve o cuidado de me dizer que eram boas notícias e tinha razão. Aparentemente, o Lucas deixava de comer pão, bolos e massas e a sua saúde iria regressar, sem mais medicamentos ou exames.
O dia-a-dia do pós-diagnóstico revelou-se um pouco mais complicado do que esperado quando comecei a pesquisar e vi todos os alimentos que lhe estariam vetados. Para além disso, existia o perigo da contaminação cruzada. Até a aparentemente inócua plasticina poderia ser um perigo nas pequenas mãos do meu menino.
Os primeiros produtos sem glúten que comprámos revelaram-se caros e hipercalóricos, a massa uma decepção, o pão intragável. Aí o coração de mãe começou a bater mais depressa: o que é que ele vai comer? Como será na creche? E nos restaurantes? E as festas de aniversário dos amiguinhos? Eventualmente aprendemos a contornar estas pedras no caminho sem glúten.
O pessoal da creche ficou tão contente de o ver recuperar que fizeram tudo como lhes expliquei de modo a garantir uma alimentação segura para o Lucas. Os restaurantes evitam-se e quando não se consegue, uma conversa simpática com o empregado resolve a situação. Para as festinhas, leva-se um “farnel sem glúten” e o Lucas, na sua inocência, nem se apercebe da diferença.
Mais tarde saberá e espero que aprenda a viver com isso, mas nestes sete meses que passaram desde o diagnóstico, a dieta sem glúten deixou de ser o bicho-papão que parecia e tornou-se quase numa segunda natureza. Neste preciso momento, o único desafio é encontrar uma receita de pão que lhe agrade, estando a máquina do pão lá de casa a trabalhar em laboração contínua, fornada atrás de fornada, misturando quinoa, fécula de batata, farinha maizena e goma xantana, à procura do Santo Graal dos celíacos, um pão que não saiba a cartão.
Apesar de viver diariamente com as exigências de uma dieta sem glúten, vejo o meu filho apenas como uma criança saudável que gosta de brincar e rir como as outras, e que só difere na alimentação que faz. Quando for ele a lidar conscientemente com a sua doença, terá talvez os seus momentos de frustração, os momentos em que pensará que é diferente dos outros, os momentos em que deixará de cumprir a dieta porque não se lembra do mal que passou. É essa a minha maior preocupação: o surgimento da doença tão precocemente não lhe dará as lembranças necessárias para querer evitar o glúten a todo o custo. Para ele, a única prova palpável da sua doença será o relatório da biópsia a que foi submetido. Assim, o principal desafio que nós, pais, temos é mentalizá-lo de que as bolachinhas do Afonso ou o pão-de-leite da Lara “fazem dói-dói à barriguinha do Lucas” enquanto lhe damos alternativas igualmente saborosas e que o ajudarão a crescer muito e bem.
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