02/03/2010

Doença Celíaca: Uma história com histórias!

Hoje a APC Jovem dá início a uma nova rubrica neste blogue denominada “DC: Uma história com histórias”. Esta rubrica será da responsabilidade de todos os elementos da APC Jovem e pretende relatar factos verdadeiros com os quais os celíacos sejam confrontados no seu dia-a-dia. Caso tenha experienciado alguma situação que queira partilhar connosco, contacte-nos através do semespiga@gmail.com. A abertura desta rubrica ficará a cargo da Carmen, enfermeira e membro da APC Jovem.
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Hoje, no turno da tarde (das 16h às 00h30 – no hospital onde trabalho), fui chamada pelo médico de serviço para o ajudar na realização de uns exames a um adolescente de 12 anos encaminhado pela urgência pediátrica ao serviço de cardiologia por suspeita de enfarte. Quando o miúdo chegou, em maca, acompanhado pela avó e por uma auxiliar, a primeira sensação que tive foi que aquela criança, de tão franzina que era, não podia ter 12 anos. Não sei precisar o peso mas, aparentemente, o corpo era o equivalente ao corpo de um menino de 7 ou 8 anos.


Aquando das habituais perguntas da praxe, na altura em que o médico perguntou à avó os antecedentes do N., esta respondeu “é diabético tipo I desde os seis anos e celíaco desde os três, mas ele celíaco já está a começar a deixar de ser”. Eu, que até estava caladinha a tentar encontrar uma veia naqueles bracinhos quase transparentes, fui obrigada a intrometer-me e perguntar “está a deixar de ser?”, ao que a avó responde “sim, antes lá na terra os celíacos eram ele e outra menina mas ela já deixou de ser e o N. também já começou a comer pão normal porque como já fazia a dieta há 8 anos a médica de família diz que a doença celíaca já está curada”…


Foi nesta altura, com a veia milagrosamente picada entretanto, que expliquei que também sou celíaca e que a doença celíaca não tem cura, sendo crónica e, como tal, para toda a vida. A avó do N. olhou para mim espantada e disse “desculpe mas a médica do menino sempre disse que a doença tinha cura”. À pergunta se já tinham consultado um especialista a avó respondeu que não. Com o N. sem pais, os avós iletrados e com parcos rendimentos, não havia dinheiro para a consulta de especialistas (obrigatoriamente longe da vila onde residem) e, muito menos, para mais anos desta dieta “que é tão cara sra. Enfermeira”…


Foi aí que o N. falou. Já com a dor controlada olhou-me e em tom de desafio disse “lá por ser enfermeira você não sabe tudo e a C. tinha isto e já ficou curada e eu também vou ficar, e a enfermeira devia informar-se bem porque também pode estar curada sem saber…”


E assim acabou a conversa. O N. foi transferido para outro hospital com uma pericardite grave. O N. deixou de cumprir a dieta e, ao que parece, nem ele nem a família estão dispostos a entender que a dieta sem glúten é, obrigatoriamente, para sempre. Foi a primeira vez que prestei cuidados directos a um doente celíaco e posso afirmar que a experiência foi terrível uma vez que o sentimento de impotência me deixou esmagada. Quantas infecções mais terá o N? Quantas mais consequências desastrosas advirão do incumprimento da dieta até o N. e a família entenderem que a doença celíaca é para toda a vida?


Carmen G.

Hoje, data de publicação deste texto, voltei a encontrar o N. Felizmente, com a infecção controlada, foi transferido para o serviço de pediatria do hospital da área de residência. A descrição do encontro ficará para uma próxima oportunidade.

6 comentários:

isabel disse...

Infelizmente, em cerca de 99% das vezes em que explico qual é a doença da minha filha as pessoa dizem: " mas isso com a idade pode passar, não é?".Fico chocada, pois por vezes estou a falar com pessoal médico!
Não desistas de informar as pessoas, que pela minha parte também o vou continuar a fazer. Sempre!

Marina disse...

Concordo com o que a Isabel diz.
Infelizmente à muita falta de informação na classe médica!
Temos de ser nós a passar essa informação!

quintal disse...

olá!

temos uma loja de produtos biológicos no porto e gostavamos de ter mais produtos sem glúten.

será que nos podiam dar algumas dicas das marcas que acham mais interessantes?

obrigado!

MamãCris disse...

Também eu já me deparei com esse tipo de ignorancia por parte de nutricionistas e pessoas que já tiveram contacto com a doença celíaca. Há um ano, quando me candidatei a um subsídio complementar da minha caixa particular, a minha colega respondeu-me que a doença do meu filho não constava da listagem por não precisar de medicação permanente e porque não se tratava de uma doença cronica. E ela até sabia que a doença celíaca não era cronica porque a sobrinha dela já tinha sido celíaca, quando era pequena, e a sua medica já lhe teria dado "alta"

Anónimo disse...

A doença celíaca não é crónica? Eu tinha a ideia de que era...

Sol disse...

Caro anónimo:

Sim, é crónica! Daí o nosso choque qd somos confrontados com este tipo de situação!

Carmen