11/03/2012

Histórias sem glúten... [2]

Tenho quase 26 anos, mas na altura tinha 21 anos. Estava abalada por ter uma sintomatologia não verificada nos exames.
Devo confessar que esse periodo da minha vida foi muito difícil, pela DC não controlada, e pelo ambiente social em que vivia: tratava-se do meu segundo ano de faculdade, numa cidade diferente e a viver numa pequena casa na companhia de pessoas com quem não me dava bem e que criavam um mau ambiente.

Como a minha mãe é médica de medicina geral e familiar, apercebeu-se dos sintomas que vinha a coleccionar e sugeriu-me que experimentasse dieta, a ver o que acontecia. Fiquei mais estável, menos irritadiça, pararam as diarreias, a barriga deixou de estar inflamada e fiquei com mais energia e com melhor cara! Disse-me que era doente celíaca e que já tinha desconfiado em bebé, com a transição para as papas e mais tarde em criança.
Contou-me ela que eu em bebé, a partir dos seis meses, tinha momentos bons e momentos maus, saltitando entre uma expressão facial e corporal cheia de vida e alegria, para uma atitude mais apática e triste. Isso vê-se em fotografias. Mais tarde em criança, tinha uma barriga enorme, como as crianças africanas famintas, mal interpretada e que cuja razão na altura se devia à minha falta de jeito para subir ao telhado da vizinha e correr por todo o lado, como a minha irmã tinha feito na mesma idade. Ela contou-me também que tinha falado com vários médicos sobre o assunto mas todos eles diziam que era impossível já que eu tinha o cabelo e a pele sedosos.

Passado um ano em dieta sem glúten, a minha consciência ditava que tudo aquilo era errado, pois privar-me do bom pão sem ter a certeza absoluta e em papel de que seria mesmo doente celíaca, fazia tudo aquilo uma brincadeira de mau gosto. Mesmo sabendo que se comesse, me sentiria mal, precisava de ter a certeza absoluta de que não estava a privar-me do prazer que é a normalidade alimentar.

Então, enchi-me de coragem e pedi à minha mãe que me levasse a um gastroenterologista, para pedir aconselhamento e exames, incluindo a brutal endoscopia.
E assim foi. Recordo que estava a fazer dieta sem glúten há já um ano, voltando agora ao regime alimentar dito "normal".
Como infelizmente o ambiente na casa onde vivia, como estudante académica, não era o melhor, houve pressão e maus tratos verbais e psicológicos, forçando-me a fazer o exame com apenas três semanas de dieta com glúten. Terrível.

Penso que terá sido por isso que os exames deram todos negativos... Nunca saberei nem o desejo saber. Não queria nem quero passar pelo tormento, pois foi uma endoscopia feita em Coimbra num hospital bom mas sem qualquer anestesia. Foi uma autêntica tortura.
Com o conselho do médico especialista, segui e ainda sigo uma dieta sem glúten, cumprida com rigor, tirando os pequenos erros humanos inocentes(descuido) ou culpados(maldade alheia).

No inicio da minha vida sem glúten, ainda comi qualquer coisa a ver no que dava, para ter a certeza. E sim....causa efeito: diarreia e barriga dilatada acompanhada de graves cólicas intestinais.
Uma vez sentida e plenamente consciente a dura verdade de que era uma doente celíaca, aceitei a minha condição. Sou feliz.

Agora para aliviar o ambiente da minha carta, conto-vos uma outra história, passada num restaurante de Portalegre, em que pedi um prato de picanha(do tipo brasileiro) e o prato veio com migas. Pedi desculpa pelo incómodo e pedi que me preparassem outro prato, de raíz, pois "era alérgica"
(mais vale dizer alérgica porque a palavra intolerante é vista por muitas pessoas como empertigada e é mais fácil de perceberem;contudo aos meus colegas e pessoas mais cultas digo que sou intolerante)
Veio um prato novo em folha, sem migas, quase à moda brasileiro, saboroso e, de repente, vejo todo um conjunto de cozinheiros e auxiliares de cozinha, no balcão do restaurante a olhar para mim, espantados. Fiquei surpresa com aquilo. No meio daquela confusão consegui perceber que me estavam a olhar, interessados pelo empregado de mesa lhes ter pedido um prato "especial" porque havia uma menina alérgica ao pão. Não gozo, mas eu vi-os a rir-se e a dizer "pois, é claro que é magrinha a menina coitadinha" de forma alegre e ao mesmo tempo terna, com pena...

Rute Estanqueiro

4 comentários:

Heloisa disse...

Bom dia, Ruth!

Sou brasileira e, quando li seu texto, senti como se eu mesma o tivesse escrito. Eu não tive um diagnóstico de Doença Celíaca certeiro... Uma suposição médica me levou a fazer a dieta por um ano, e comecei a me questionar se deveria me privar de comer glúten ou não. Voltei a comer, fiz os exames (sorológicos, somente), e todos deram negativos pela terceira vez.

Optei por continuar comendo glúten até que eu tenha um diagnóstico certeiro, porque mesmo tendo reintroduzido o glúten à dieta há mais de um ano, os sintomas não voltaram completamente ainda.

Adorei sua experiência. Senti como se eu a tivesse vivido e escrito.

Parabéns por sua coragem.

Abraços,

Anónimo disse...

Obrigada, foi por isso que quis escrever. Beijinho para ti e muita força pois tudo correrá bem.

Susana disse...

Bom dia Muito bao a sua história (Real) . O meu filho tambem é doente celiaco mas apenas tem 19 meses, ainda nao tem essa dificuldade... E interessante somos de Portalegre... Qual´foi o restaurante???
Obrigado

Anónimo disse...

Olá! não me recordo do nome do restaurante mas foi uma com uma sala bastante grande, com algumas plantas no interior, as paredes ou eram ocre amarelo ou castanho amarelado... a entrada era lateral, como uma espécie de garagem...não me lembro do nome, mas tinha picanha com mmigas muito boa:P